Classe Médica

Classe Médica
"É vedado ao médico discriminar o ser humano de qualquer forma ou sob qualquer pretexto." (Capítulo IV, Art. 47, Resolução CFM nº 1.246/88, DE 08.01.88)

Com essa justificativa, e inspirados pelos casos de xenofobia ocorridos atualmente, criamos este blog para melhor compreender e avaliar a conduta e a participação dos médicos frente às questões sociais.

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Política, classe médica e xenofobia

O INÍCIO DA AFRONTA

A relação da maior parte da classe médica brasileira com o governo da presidente Dilma Rousseff foi se precarizando com a implantação do Programa Mais Médicos, e sua consequente importação de médicos cubanos. O programa foi considerado uma afronta à classe médica brasileira, que estaria sendo desvalorizada pelo seu próprio país. Para o Conselho Federal de Medicina (CFM), o anúncio da chegada de médicos da ilha caribenha é “eleitoreiro, irresponsável e desrespeitoso”.

No mês de agosto de 2013, centenas de médicos estrangeiros chegaram ao Brasil, em Fortaleza, para serem designados a cidades em que faltavam médicos brasileiros. Foram recebidos, porém, com gritos, xingamentos e vaias, vindos de médicos que foram ao local, digamos, recepcioná-los.

Além de existir um preconceito com os médicos por serem negros e latinos, há também certo cunho corporativista e elitista. Em geral, cursos de medicina são caros, o que torna quase impossível o acesso à profissão para estudantes de baixa renda, concentrando a profissão nas mãos de poucos. Inclusive em universidades públicas: segundo o MEC,  mais de 88% das matrículas são preenchidas por estudantes que vieram de escolas particulares. Pode-se, ainda, incluir que grande parte dos médicos brasileiros são politicamente conservadores e temem ver na vinda dos médicos cubanos a perda dos seus privilégios.

Entre os principais fatores de discordância entre o governo e a entidade médica estão o volume de investimentos em infraestrutura de postos de saúde, as políticas de remuneração e formação de profissionais e a vinda de médicos estrangeiros - especialmente os cubanos.

MAIS MÉDICOS

O Programa Mais Médicos faz parte de um amplo pacto de melhoria do atendimento aos usuários do Sistema Único de Saúde, que prevê investimento em infraestrutura dos hospitais e unidades de saúde, além de levar mais médicos para regiões onde não existem profissionais. [...]

As vagas serão oferecidas prioritariamente a médicos brasileiros, interessados em atuar nas regiões onde faltam profissionais. No caso do não preenchimento de todas as vagas, o Brasil aceitará candidaturas de estrangeiros, com a intenção de resolver esse problema, que é emergencial para o país. [...]

Os médicos intercambistas se submetem a um processo de capacitação, sem a necessidade da submissão ao Exame Revalida, já que sua permanência é por tempo limitado, com atuação circunscrita (aprovados no Revalida exercerão a profissão de modo permanente).

Os conselhos não podem recusar o registro do médico intercambista, isso em virtude da existência de ato normativo, com força de lei.

Informações aqui.

ELEIÇÕES DE 2014

Com a continuidade das eleições ao segundo turno em 2014, a disputa entre os presidenciáveis Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB) se intensificou de tal modo que houve grande circulação de falsos boatos,  inclusive muitos destes apresentando montagens dos candidatos em situações irreais (algumas delas podem ser vistas aqui). 

Devido, em partes, a frustrações para com o governo atual, alunos de faculdades de Medicina em vários estados se posicionaram em relação à suas escolhas. Seguindo essa posição, a Associação Médica Brasileira (AMB), representada pelo seu Conselho de Defesa Profissional, divulgou nota de apoio a candidatura de Aécio Neves à Presidência. Citando “seus fundamentos e ideais democráticos e éticos”, o texto convoca a população brasileira e toda a comunidade médica a a votar em quem “verdadeira e declaradamente poderá trazer de volta o respeito e a dignidade para a saúde pela qual tanto lutamos e necessitamos”.

A velha polarização PT versus PSDB e as manifestações de seus seguidores eclodiu nas redes sociais, com a criação de páginas pró e contras a cada partido, além de páginas de humor relacionadas aos candidatos, vídeos e fotos de apoio a cada um. Foram observados alguns  médicos postando em suas redes sociais que excluiriam amigos que postassem ser a favor de Dilma, e até aqueles que repreendiam duramente quando se deparavam com apoios ao PT. 

Das redes sociais, as manifestações passaram ao tête-à-tête. Houveram relatos de médicos que, durante consultas, tentavam convencer seus pacientes a votarem em seus candidatos, transformando seus consultórios em palanques políticos. Outros, que ameaçavam funcionários (diaristas, secretárias) com a perda do emprego, caso não votassem em seus candidatos. Foi um período conturbado para a maioria dos brasileiros - mas era só a ponta do iceberg, se pensar no que estava para vir: o resultado das eleições.

RESULTADO



Com a diferença de cerca de 3 milhões de votos, Dilma Rousseff ganha a disputa presidencial. Ambos os candidatos receberam votos de todos os estados, porém o que foi propagado foi o apoio total do Norte e Nordeste à candidata e do Centro-Oeste, Sul e Sudeste ao candidato Aécio Neves. Realmente, estados como Maranhão, Piauí e Ceará apresentaram altas taxas de votos a Dilma - 79, 78 e 77%, arredondando. Mas estados como Rio de Janeiro e Minas Gerais mostraram uma porcentagem de votos à candidata de 55 e 52%, respectivamente. Dados que demonstraram não uma divisão no país, mas uma vitória do candidato que recebeu o maior número de votos entre 144 milhões de eleitores.

Tal vitória em alguns estados nordestinos, porém, serviu para extravasamento de ódio xenofóbico. Foi pregado que a culpa era totalmente dos nordestinos, pois eles viviam das bolsas oferecidas pelo governo, e por isso manteriam a presidente no poder. E, portanto, eram desprovidos de inteligência - ou, no mínimo, inferiores aos eleitores do Aécio.

As atitudes e manifestações preconceituosas não pararam por aí; além de comentários e publicações em redes sociais, um grupo denominado "Dignidade médica" foi criado no Facebook, reunindo quase 100 mil usuários médicos, professores e estudantes de medicina para a promoção de discussões sobre a economia do país - e xingamentos a nordestinos. As postagens do grupo pregam "castrações químicas" contra nordestinos, profissionais com menor nível hierárquico, como recepcionistas de consultório e enfermeiras, e propõe um "holocausto" entre os eleitores da petista.

POSICIONAMENTOS JURÍDICOS

O CFM emitiu uma nota sobre o caso;
“O Conselho Federal de Medicina (CFM) é contra qualquer comentário ou ação que denote atitude preconceituosa praticada por qualquer pessoa por conta de aspectos como etnia, origem geográfica, gênero, religião, classe social, escolaridade, orientação sexual ou posicionamento ideológico, entre outros. Esse entendimento representa a percepção da classe médica brasileira.
Para a Autarquia, o Brasil é um país democrático, onde todos os cidadãos devem e podem manifestar suas opiniões, inclusive políticas. No entanto, esta expressão deve ter como parâmetros o comportamento ético e o respeito às leis. Casos que extrapolem esses limites devem ser investigados pelas autoridades competentes.”

Para casos de preconceito, a legislação prevê pena de até três anos de cadeia e multa. Segundo a Lei 7.716, qualquer tipo de preconceito contra a procedência nacional, etnia, cor, raça ou religião é crime. No artigo 20, diz que induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional terá uma pena de reclusão de um a três anos e multa.

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